
Esta belíssima foto tirada de avião, retrata o presente do lugar onde vivo e revive-me o passado, do qual tantas saudades guardo!

Foi naquela casa baixa e comprida, da primeira rua à direita da imagem que eu nasci. No tempo, apenas seguida pela última moradia que podemos ver lá ao fundo junto ao mato.
Isso dá para entender, que pouca gente por ali habitava, logo, se queria brincar com primos ou amigos, tinha de subir a ladeira (chamada presa do rato) onde morava a maioria deles.
Era uma ladeira estreita, de alcatrão mas esburacada, vedada à sua direita por enormes plantas de giesta, dando-lhe um aspecto fúnebre e arrepiante, principalmente ao anoitecer…
Como dizia mais atrás, era lá por cima que depois da escola a criançada se juntava para as suas brincadeiras. Arranjava-se um pedaço de pau, uma corda, e enquanto um fazia de touro, alguns de pastores, os restantes de capinhas! Esta brincadeira desse tempo, pode ser entendida como razão óbvia, pela qual, as touradas à corda se mantém enraizadas no povo Terceirense.
Existiam ainda outras brincadeiras. Recordo-me por exemplo, do brincar aos escondidos, do cabra cega, dos berlindes e até de um jogo, vindo dos miúdos americanos que viviam nas redondezas, chamado de Baseball. Por influência destes, também brincávamos aos cowboys, não podendo deixar de existir o xerife (que podia ser o john Wayne…) e os mauzões, que acabavam sempre vencidos!
Batiam as trindades, o tempo começava a escurecer e lá corria eu para casa, ora porque eram ordens dadas dos meus pais, ora porque descer aquela ladeira de noite e sem luz, era para mim um pesadelo…
Fernando, olha que já está escuro e o “Tio Rato” pode-te aparecer no meio daquela Giesta, diziam-me alguns maiores e mais atrevidos…
Logo que já ninguém me via, descia a presa numa enorme correria, com medo se o Tio Rato me aparecia, chegando a casa bufando por todos os lados, ao ponto de minha mãe me perguntar do que tinha estado a brincar para chegar tanto cansado.
Muitas vezes ficava por casa, brincando no quintal que era grande e dava para fazer as covetas para os berlindes, as curraletas para os toiros feitos de socos de milho ou até mesmo para jogar à bola feita da bexiga do porco, que se matava anualmente.
Onde agora se podem ver as palmeiras e outras diversas árvores, pastavam as galinhas, lá mais ao fundo a rua do porco, alimentado com mogangos e batata doce, para que criasse bom toucinho e desse gordura para que se cozinhasse o resto do ano.
Se chovia, havia sempre local para me abrigar e inventar qualquer brincadeira! Tanto podia ser na atafona, local onde se guardava a comida para o gado, no alpendre para o carro de bois, no palheiro, ou até mesmo na cafua de lenha, onde quase não entrava um pingo de água. Se muito sol, lá estava o enorme álamo, dando sombra para as galinhas e nomeadamente para o dia da desfolha do milho, onde se juntavam alguns familiares e amigos para ajudar. A vida é memória do passado, vivência do presente e perspetiva de futuro, nem sempre vantajoso para todos!
Debrucei-me hoje um pouco sobre o meu passado de criança! Tive como todos vós, outros passados… mas aquele foi o mais lindo de todos, e o que posso garantir-vos ter sido o mais feliz!
Ainda entro diariamente naquela casa, que foi de meus avós, também de meus pais, doei a minha filha e hoje é da minha neta Leonor, que quando adulta decidirá o que fazer dela.
Há dias que entro e saio e nada me vem à mente. Mas há outros, que cada quarto é retrato de memórias, que mesmo longínquas, parecem continuar a perseguir-me… Se chego à porta, olho o local onde está a casa castanha do meu filho lá mais ao fundo, e vejo o altaneiro peão de milho, que seria parte do sustento da nossa família ao longo do ano! Vejo os cerrados onde se semeava as batatas e o feijão, vejo a vinha, vejo o pomar, vejo tanto do que se tinha e que produzia, e hoje é quase tudo só betão ou alcatrão…
Por instantes matei saudades!
Fernando Mendonça