MADALENA PEREIRA: AS FILARMÓNICAS CRIAM ARTE, PRESERVAM AS TRADIÇÕES E SÃO ESCOLAS DE VALORES DE INTERAÇÃO E INCLUSÃO SOCIAL

A pandemia COVID-19 alterou o modo de vida das pessoas, das empresas e das instituições, ditando dificuldades acrescidas às de sempre, ainda agora, com o levantar de muitas das medidas restritivas, a normalidade tarda em regressar, com todos os seus efeitos na vida das pessoas, empresas e instituições.

Para as filarmónicas, o cancelamento das festividades devido à COVID-19 constituiu um grave rombo no equilíbrio das suas economias, sujeitas que estão às despesas correntes de sempre e que se mantêm inalteradas.

No quarteirão cultural da Praia da Vitória reside a única filarmónica da cidade. São 116 anos de história que se confundem com a dinâmica cultural e social da própria cidade, concelho e ilha.

Natural da ilha do Pico, Madalena Pereira reside no concelho da Praia da Vitória há mais de 20 anos. Assumiu, em outubro de 2016, a presidência da Direção da Filarmónica União Praiense (FUP), imprimindo, em conjunto com os restantes elementos da Direção, uma nova dinâmica, que se materializa num conjunto de eventos culturais e sociais e num projeto de indiscutível valor e visão — a Escola de Música.

A FUP vive hoje tempos difíceis, à semelhança das suas congéneres um pouco por todo o lado. Nesta entrevista, a professora que ensina e respira música, revela-se consciente das dificuldades, triste pelos sonhos desfeitos, grata com altruísmo que foi encontrando, e confiante, muito confiante que, neste momento de particular adversidade os sócios “que têm gosto na sua filarmónica” não deixarão de “ajudar a colmatar parte do problema”, apelando para que procedam à regularização das suas quotizações.

Perdeu-se a rotina e o treino da execução musical associados ao convívio saudável entre os músicos”.

Madalena Pereira
presidente da Direção da FUP

Praia Expresso (PE) — A pandemia COVID-19 alterou a rotina de pessoas e instituições. No caso da FUP, para além dessa rotina que outras atividades foram canceladas ou suspensas?
Madalena Pereira (MP) — Foram cancelados todos os ensaios da banda e as aulas da escola de música. No entanto, a professora iniciou as aulas por videoconferência para que os alunos não se desmotivassem e assim continuassem a desenvolver as suas competências musicais.
Em relação aos ensaios, perdeu-se a rotina e o treino da execução musical associados ao convívio saudável entre os músicos. Destaco que a nossa banda é maioritariamente composta por jovens que estão habituados a conviverem duas vezes por semana, trocando impressões e tocando em conjunto. A privação desta dinâmica social provocou alguma tristeza e ansiedade em alguns que foram contactando frequentemente comigo relatando esse sentimento.

“O impacto é preocupante […], foram muitos os eventos geradores de receitas que foram cancelados e a FUP continua a ter os seus compromissos financeiros”.

PE — Muitas festividades já foram canceladas e, outras, apesar do atenuar das medidas restritivas, continuam na incerteza de se realizarem. Sendo as “tocatas” uma fonte importante das receitas das filarmónicas, quais os impactos desta situação para as filarmónicas em geral e para a FUP em particular?
MP — No dia 20 de março a filarmónica fez 116 anos e assim foram também canceladas todas as festividades ligadas ao evento que já estavam organizadas. Na semana que saiu a ordem de confinamento social, já estávamos a proceder à entrega dos convites e ultimavam-se os preparativos da cerimónia.
Os serviços da banda aos Impérios do Espírito Santo também foram cancelados assim como a inauguração da Feira Vitória e o desfile das Sanjoaninas.
Suspensa está uma deslocação ao continente que abrangia, além de um passeio por várias cidades do norte e um concerto em parceria com Banda de Música de Pinheiro da Bemposta. Esta suspensão gera imensa tristeza pois a atual direção em conjunto com os músicos, trabalhou muito na criação de eventos de angariação de fundos para a concretização deste sonho.
O impacto é preocupante pois como referi, foram muitos os eventos geradores de receitas que foram cancelados e a FUP continua a ter os seus compromissos financeiros. Todos os meses existem contas a pagar e também já havia o compromisso assumido para com a professora da escola de música até junho.

“Também existem boas surpresas nomeadamente a postura generosa e inigualável do nosso maestro Antero Ávila que tem prescindido dos seus honorários desde março, para ajudar nesta fase que a sua filarmónica atravessa”.

PE — No sentido de alguma forma mitigar os impactos desta situação, que medidas estão a ser tomadas pela Direção?
MP —Os eventos realizados foram deixando sempre algum fundo maneio para se poder suportar alguma situação inesperada, mas também, esse dinheiro seria aplicado caso não fosse necessário, em fardamento para os novos músicos. Atualmente, estamos a aguardar o desfecho desta situação com cautela pois a prioridade é podermos continuar a cumprir com os nossos compromissos, ir pagando as despesas correntes e ir salvaguardando a escola de música até ao final de junho.
Mas de todas as obrigações e preocupações, também existem boas surpresas nomeadamente a postura generosa e inigualável do nosso maestro Antero Ávila que tem prescindido dos seus honorários desde março, para ajudar nesta fase que a sua filarmónica atravessa.

“Acho que aos poucos chegarão alternativas para colmatar a situação das filarmónicas”.

PE — Qual tem sido a recetividade das entidades governamentais, regionais e locais, face a este momento de particular dificuldade para as filarmónicas?
MP — Julgo que tem havido preocupação das entidades em apurar em que situação se encontram várias instituições em geral e neste caso concreto, as filarmónicas. Também por ser esta uma situação inédita, a informação que nos chega assenta na preocupação de resolver primeiro a questão da saúde pública e da garantia da segurança da população. Acho que aos poucos chegarão alternativas para colmatar a situação das filarmónicas.

“A FUP congratula-se pelo cumprimento do apoio da Câmara Municipal da Praia da Vitória no que concerne ao contrato-programa que remonta a 2016”.

PE — A Câmara Municipal da Ribeira Grande anunciou recentemente um reforço nas verbas de apoio às filarmónicas no sentido de as ajudar a superar este momento. Já recebeu alguns sinais da Câmara da Praia nesse sentido e, no seu entender, que medidas deveriam ser adotadas com o intuito de ajudar as filarmónicas do concelho?
MP — A FUP congratula-se pelo cumprimento do apoio da Câmara Municipal da Praia da Vitória no que concerne ao contrato-programa que remonta a 2016. Houve a preocupação de garantir que a filarmónica poderá cumprir com o compromisso perante a instituição bancária e por isso, julgo que é uma postura bastante positiva de quem se preocupa pela situação atual da filarmónica.
Como medida propunha numa primeira fase, o contato com o responsável de cada filarmónica do concelho para que se apure as preocupações e a realidade de cada uma. Posteriormente apoiar cada uma na sua situação mais urgente.

“A direção apela assim a todos os que têm gosto na sua filarmónica que a ajudem cumprindo com o compromisso de pagar as cotas em atraso”.

PE — Por fim, de que forma pode o público em geral ajudar a FUP a ultrapassar este momento de grande dificuldade?
MP — Julgo que antes do público em geral, os sócios da FUP têm agora a oportunidade de, ao pagar as suas cotas, ajudar a colmatar parte do problema. A direção apela assim a todos os que têm gosto na sua filarmónica que a ajudem cumprindo com o compromisso de pagar as cotas em atraso. Atualmente não tem havido ensaios, mas até ao dia 12 de março, todas as terças e quintas-feiras, estávamos lá entre as 20:00 e as 22:30 para receber os nossos sócios.
Também, a maior parte destes sócios pagava no dia do aniversário, mas como não foi possível devido ao cancelamento do concerto, a filarmónica anunciará onde e como poderão proceder ao pagamento das suas cotas.
O público ajuda bastante se valorizar o papel das filarmónicas na dinâmica social respeitando, apreciando e assumindo que esta é uma escola que para além de criar arte, cria valores de interação social e que contribui em muito para uma sociedade mais digna. Os jovens que integram as bandas criam mecanismos saudáveis de perseveração das tradições, criam arte, interagem socialmente respeitando que todos podemos ser diferentes, mas que podemo-nos unir em causas comuns.

Fotos: © Facebook FUP | PE

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