
Estive presente na reunião da Comissão de Assuntos Europeus na Audição com o Comissário Europeu responsável pela pasta do Orçamento, Luta Antifraude e Administração Pública, Piotr Serafin, sobre o Quadro Financeiro Plurianual (QFP).
No novo Quadro Financeiro Plurianual 2028-2034, a Comissão Europeia descreve este orçamento de longo prazo, apresentado a 16 de julho de 2025, como ambicioso, flexível e capaz de responder às crises imprevisíveis que marcam a atual conjuntura internacional. A presidente Ursula von der Leyen afirmou mesmo que o novo enquadramento permitirá à Europa moldar o seu destino. No entanto, para quem representa regiões que vivem diariamente os constrangimentos da ultraperiferia, como os Açores e a Madeira, o entusiasmo inicial esbarra rapidamente nas omissões, nos riscos e nas incertezas que hoje ficaram bem claras.
As Regiões Ultraperiféricas (RUP) não podem ser tratadas como nota de rodapé num orçamento que pretende reforçar a coesão europeia. A proposta apresentada continua a falhar na resposta às especificidades permanentes previstas no artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, recordando que a distância, a descontinuidade territorial, a fragilidade económica e os custos acrescidos de produção não são circunstâncias temporárias: são características estruturais. É por isso incompreensível que a promessa de flexibilidade e simplificação dos programas financeiros não se traduza em garantias concretas de que as RUP terão recursos dedicados, estáveis e protegidos da concorrência desigual que caracteriza o acesso aos fundos europeus por regiões mais centrais e desenvolvidas.
A simplificação e harmonização dos programas, apresentada como grande vantagem do novo QFP, pode ser para muitos Estados-Membros um benefício, mas representa uma ameaça direta para quem depende de regimes específicos como o POSEI ou os mecanismos de compensação dos custos adicionais. Tornar tudo mais uniforme não é neutral: significa muitas vezes apagar diferenças estruturais e empurrar para segundo plano regiões que precisam exatamente do contrário — diferenciação, medidas reforçadas e instrumentos à medida da sua realidade económica e geográfica. A Europa não pode esquecer que a verdadeira igualdade exige tratamento desigual quando as condições territoriais não são comparáveis.
Mas há uma preocupação adicional que importa denunciar com clareza, porque coloca em causa não apenas o espírito da coesão europeia, mas a própria autonomia das regiões portuguesas: a centralização progressiva do processo de decisão em Lisboa sobre a forma como são distribuídos e aplicados os fundos europeus. Se o novo modelo de governação dos fundos pretender concentrar ainda mais poder no governo central, retirando capacidade de programação e execução direta aos Açores e à Madeira, o resultado será fatal para o desenvolvimento equilibrado do país. A centralização significa atrasos, decisões desajustadas, desconhecimento do território e um distanciamento burocrático que penaliza sempre as regiões insulares. A ideia de que Lisboa pode decidir sozinha como e onde deve ser gasto o financiamento europeu levanta sérios riscos: perda de eficiência, subfinanciamento crónico de setores estratégicos insulares, condicionamento político na atribuição dos apoios e violação prática do princípio da subsidiariedade.
As RUP não podem voltar a depender de decisões tomadas a centenas de quilómetros de distância, por estruturas que não conhecem a realidade local nem as necessidades específicas das nossas comunidades. A autonomia não pode ser apenas um slogan constitucional: tem de significar capacidade real de decisão e gestão. E se o QFP 2028-2034 não assegurar mecanismos que garantam a participação direta das RUP na definição e implementação dos fundos, estaremos perante um retrocesso grave que nem os discursos mais bem-intencionados da Comissão conseguem disfarçar.
O perigo é grande se as ilhas portuguesas continuarem a aceitar ser tratadas como periferias administrativas de Lisboa. A manutenção integral do POSEI, a existência de um envelope financeiro próprio para as RUP, mecanismos rápidos de resposta a crises nos setores agrícola, piscatório e ambiental e a garantia de que não haverá centralização excessiva na gestão dos fundos são condições essenciais para que Portugal possa votar favoravelmente este orçamento europeu. A Europa precisa das suas RUP para afirmar presença geopolítica, para garantir segurança marítima e ambiental e para projetar o seu papel no Atlântico. Mas não basta reconhecer isso em teoria; é preciso refletir esse reconhecimento no financiamento.
A pergunta que deixo é simples: como pode a Europa afirmar que reforça a coesão territorial quando aceita que os Açores e a Madeira possam perder capacidade financeira e autonomia por força de um modelo demasiado centralizado, demasiado uniforme e demasiado distante das realidades insulares? A resposta ainda não veio de Bruxelas — mas o tempo está a esgotar-se. E cabe-nos a nós, representantes das regiões ultraperiféricas, garantir que o novo QFP não seja apenas um exercício de retórica europeia, mas um instrumento capaz de proteger, desenvolver e valorizar verdadeiramente todas as regiões da União, incluindo aquelas que, pela sua localização, continuam a ser simultaneamente as mais distantes e as mais estratégicas.
Ana Martins
Deputada do CHEGA à Assembleia da República
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