
Votar é, dizem-nos, o coração da Democracia. É o nosso momento de glória: uma cruzinha num quadrado, um ato solene que separa o cidadão consciente do preguiçoso e irresponsável que deixa para outros a decisão do seu futuro. Até aqui tudo bem. Só que depois alguém nos explica as regras e… puf! Descobre-se que afinal não é bem assim.
Ora vejamos: se eu, nas próximas autárquicas votar em todos os partidos concorrentes à Câmara da Praia, porque acredito sinceramente que todos eles, cada um à sua maneira, têm ideias válidas para o meu concelho (sim, pode acontecer, não gozem), o meu voto é considerado nulo. Nulo! Ou seja, o sistema olha para mim e diz: “Coitado, não sabe votar.” É Como se eu tivesse desenhado um daquelas imagens insolentes ou colocado a cruzinha fora do quadradinho no boletim de voto.
Então, em democracia, eu sou obrigado a ser parcial. Tenho de escolher um só partido, um só cavalo da corrida, mesmo que me pareça evidente que precisamos de todos eles — o conservador, o moderado, o radical, o utópico, e o que ainda está à procura de programa eleitoral. Se eu for verdadeiramente democrático, se eu acreditar na coexistência de todas as forças, o sistema expulsa-me da festa.
É como ir a um restaurante “democrático” onde só me deixam escolher um único prato do menu. Eu, todo entusiasmado, digo: “Quero um bocadinho de alcatra, uma colherada da feijoada e já agora um pedacinho de bacalhau para não comer só carne.” E o empregado responde: “Lamento, senhor, mas isso é nulo. Vá para casa sem jantar.”
Conclusão: o voto é a prova suprema de liberdade, mas apenas se usado da forma certinha que a democracia manda. No fundo, é como aqueles amigos que dizem: “Claro que podes ser tu próprio… desde que sejas como eu quero.”
E pronto, cá estamos: a viver numa democracia onde ser demasiado democrático é, ironicamente, antidemocrático.
Esta é uma Opinião da Treta (OP), e como tal, não deve ser levada a sério porque apresenta uma visão distorcida e maniqueísta da realidade. Porventura, poderá assemelhar-se a muitas outras opiniões escritas e publicadas, mas tal é pura coincidência.
Francisco Soares
