AS CONTAS DA CÂMARA MUNICIPAL DA PRAIA DA VITÓRIA

Nos últimos 30 anos o Concelho da Praia da Vitória passou por vários ciclos sociais e económicos, em função de circunstâncias internas e externas. Em todos esses momentos, o Município foi sempre um garante de tranquilidade aos Praienses, na oferta de melhores condições de vida, na prestação de serviços, no investimento em infraestruturas culturais, educacionais, sociais e desportivas, no apoio ao tecido económico e até na solidariedade necessária em momentos de crise.

Nos anos 90, ainda a Praia era uma jovem cidade, investiu-se no bem-estar da população – o abastecimento de água no Concelho, o saneamento básico na cidade e a abertura e pavimentação de diversos arruamentos, entre tantos outros. A Praia ia crescendo. É construída a Marina e toda a sua zona envolvente, nasce o Auditório do Ramo Grande, é edificado o novo Estádio Municipal, são criadas melhores acessibilidades, são modernizadas infraestruturas desportivas, zonas balneares, e melhoram-se as condições das associações culturais do Concelho. Em 2005, a Praia da Vitória era uma cidade com enorme potencial e um Concelho cada vez mais desenvolvido. O investimento realizado, pese embora o contributo do Governo Regional, havia sido feito em grande parte com recurso ao financiamento bancário pelo Município.

Em 2005, a Praia inicia um novo ciclo de progresso e prosperidade. Os praienses passaram a ter a sua tão sonhada frente marginal, uma Academia da Juventude (novo polo de desenvolvimento cultural), um Paul requalificado, um novo edifício da Escola Profissional e cada freguesia passou a ter melhores infraestruturas escolares, culturais, recreativas e desportivas. Um desenvolvimento harmónico que se exigia à época. De igual modo, para a realização de todos estes investimentos, o Município precisou recorrer ao financiamento bancário, uma vez que a solidariedade do Governo Regional continuou escassa.

Infelizmente, depois de 2011, a Praia atravessa uma crise de desemprego com repercussões impactantes até 2017. E foi o Município que, outra vez, se chegou à frente e assumiu o seu papel social para poder dar resposta às dificuldades de dezenas de empresas e famílias.

Na última década, foi necessário encontrar medidas que mitigassem o impacto do downsizing da Base das Lajes – projetos como o TTI, a criação de uma incubadora de empresas e um plano de apoios e incentivos à fixação de empresas e pessoas no Concelho. O Município esteve quase sempre sozinho (Qual PREIT?). Ainda assim, apesar das dificuldades, concluíram-se diversos investimentos, resolveram-se as Áreas Ilegais que permitiu a dezenas de famílias terem a sua própria casa; melhorou-se a rede de abastecimento de água a Santa Rita e manteve-se o apoio às associações, famílias e empresas (em plena crise da Covid-19 e não só).

Naturalmente que estas 3 últimas décadas de investimento realizado tiveram impacto nas contas públicas do Município. Era inevitável. O recurso a empréstimos bancários a par dos Fundos Comunitários, foi a única forma encontrada para o financiamento dos investimentos realizados. A obra está à vista de todos. Importante recordar que o Município nunca faltou com as suas responsabilidades financeiras e em momento algum um único praiense foi chamado a pagar esta dívida diretamente do seu bolso. Todos usufruíram e usufruirão dos investimentos realizados – independentemente da sua opção partidária.

É fundamental que os praienses entendam a história – o que realmente foi feito e como foi feito. Poder-se-á agora, legitimamente, discutir o grau de importância dos investimentos realizados, a sua necessidade e o valor investido. Nestes 30 anos, naturalmente, que nem tudo foi bem feito. Mas, com toda a sensatez, discernimento e distância temporal e partidária – reconheçamos que, quem decidiu, fê-lo pelo desenvolvimento da Praia e, para isso, recorreu aos meios disponíveis. Houve coragem política!

No Município da Praia da Vitória, como em qualquer outra Organização pública ou privada, a gestão financeira deve permitir que o valor em dívida a fornecedores seja o menor possível – sinal de que a aquisição de bens e serviços, as empreitadas realizadas e os apoios são pagos atempadamente. O valor em dívida a fornecedores não é estanque e depende, entre muitos fatores, do volume das aquisições e dos níveis de investimento realizado. Não sendo um período de maior investimento, tendencialmente não existem faturas de fornecedores a serem contabilizadas e a aguardarem pagamento, e, portanto, o valor em dívida será naturalmente muito menor. A título de exemplo: em 2020, com menores valores de investimento, o valor em dívida a fornecedores era muito menor – 251.000; por outro lado, em 2022, tendo sido ainda um ano de maiores níveis de investimento, o valor em dívida a fornecedores era de 1,8 milhões €.

Durante estes últimos 3 anos (2022, 2023 e 2024), o Grupo Municipal abateu praticamente 3,5 milhões € de dívida bancária. Se considerarmos que, por via do serviço de dívida normal (Capital + juros) são abatidos cerca de 1,1 Milhões €/Ano, chegamos à conclusão de que não existe qualquer pagamento extraordinário de dívida. O Município vai continuar a abater dívida pela mesma via (prestações mensais), ao mesmo ritmo e com o mesmo peso no orçamento anual (10%). Daqui também se conclui que o cumprimento do pagamento da dívida bancária sempre foi e continuará a ser sustentável.

Fundamental também é analisar os 2 verdadeiros critérios (definidos por Lei) de aferição das reais condições financeiras de um Município: o Equilíbrio Orçamental e o Limite ao Endividamento. A Lei das Finanças Locais (2013) determina que o equilíbrio orçamental de um Município é definido pela seguinte fórmula: a receita corrente cobrada tem de ser igual ou superior à Despesa Corrente + Amortizações Bancárias. Ora, em 2024, a Receita Corrente foi de 13,9 milhões € e a despesa Corrente + Amortizações totalizaram 12,8 milhões €. Significa, portanto, que o Município exibe uma Execução Orçamental Equilibrada, e ainda apresenta excedente, cumprindo os requisitos da Lei. Já assim foi em 2023, 2022, 2021 …e desde que há registos.

Relativamente ao Limite ao Endividamento, a Lei das Finanças Locais estipula como limite máximo o valor de 1,5 vezes a receita média cobrada nos 3 últimos anos – no caso do Município da Praia da Vitória o valor foi de 12,4 milhões €. Ou seja, o valor da dívida não poderá ser superior a este montante para que se cumpra com os limites ao endividamento estipulados por Lei. Ora, em 2024 o valor em dívida era de 11,6 milhões de euros (já incluída a internalização da dívida da Cooperativa), pelo que, mais uma vez, o Município cumpre com os requisitos dos limites ao endividamento. E ainda apresenta margem ao endividamento. Cumpre em 2024, cumpriu em 2023, 2022, em 2021… e desde que há registos.

Também por estes dois critérios, concluímos que o Município da Praia da Vitória, apesar do exigente nível de investimento a que foi constantemente sujeito nos últimos 30 anos, sempre apresentou equilíbrio orçamental e o seu nível de endividamento sempre esteve dentro dos limites estipulados por Lei.

Sempre houve receitas suficientes para o funcionamento normal do Município, pagamento de salários, cumprimento das suas obrigações perante a banca, apoio à economia local, desenvolvimento de projetos e apoio às instituições sociais, culturais, e desportivas do Concelho. E ainda sobrou margem financeira para a realização de investimento.

O mandato autárquico da Câmara Municipal da Praia da Vitória, 2017-2021, fica também marcado pelo trabalho realizado na reestruturação financeira do Grupo Municipal (Município e Empresas Municipais). Um verdadeiro e fundamental plano que teve tanto de eficiente como de discreto. No rescaldo de uma profunda alteração ao regime jurídico das Finanças Locais e com diversas recomendações ao Município no relatório do Tribunal de Contas emitido em 2018, a única resposta possível e responsável era a de iniciar um processo de renegociação de empréstimos bancários, de redução de custos com o serviço de dívida e de devolução do património municipal à esfera pública. Em fevereiro de 2021, o prazo médio de pagamento a fornecedores foi reduzido para 30 dias, o Município passou a ter maior capacidade de investimento e a estar mais bem preparado para o aproveitamento do novo Quadro Comunitário. Um trabalho difícil, mas importante depois de 3 décadas de um esforço brutal do Município na realização de investimentos no Concelho.

Tudo feito sem propagandas, sem gritos de ressabiamento, sem acusações pessoais gratuitas e acima de tudo sob a responsabilidade política e cívica, que os cargos públicos exigem. Sem sobrecarregar os praienses com impostos (sem aumentos de IMI e/ou Derrama), sem sequer equacionar despedir um único colaborador, sem falhar ao compromisso com o associativismo local, sem falhar com os apoios sociais, mas essencialmente com o foco no futuro da Praia. Com rigor e seriedade sim, com transparência também, mas jamais deixar a Praia a marinar à conta de uma narrativa qualquer para esconder a inação.

Mas, nesse mesmo período, o investimento público, o apoio às famílias e às empresas do concelho não ficaram para trás, mesmo até num cenário de Pandemia COVID-19. Em todo este contexto houve a coragem e as condições financeiras de realizar a obra do prolongamento da marginal da cidade, a obra da recuperação da Muralha, de resolver os problemas das Áreas Ilegais (Bairro dos Americanos e Bairro das Pedreiras na Vila das Lajes), de realizar a empreitada de abastecimento de água Agualva/Santa Rita, de renovação dos sintéticos do Campo de futebol das Lajes e Fontinhas, de iniciar um vasto plano de pavimentação de diversos arruamentos em todo o Concelho, de preparação do projeto do Edifício dos Paços do Concelho, de construir o novo bar da Riviera e o novo Bar do Abismo nos Biscoitos, de desenvolver politicas de captação de investimento e de criação de emprego jovem qualificado ( TTI, Praia Links, Gabinete de Empresa, etc.), de melhorar politicas concretas de captação de novos fluxos turísticos, de preparar o novo PDM, entre tantos outros investimentos.

Um autarca quando assume funções executivas herda sempre uma determinada situação financeira e patrimonial, com endividamento e as respetivas infraestruturas e recursos, fruto do investimento realizado. No fundo, este é o ciclo natural da gestão pública – fazer investimento, garantir o financiamento nas melhores condições e projetar um orçamento equilibrado que garanta o cumprimento dessas obrigações. Metaforicamente falando, não pode um Autarca querer pôr o seu nome numa placa de uma obra para a qual não contribuiu, e ainda criticar a dívida realizada para o financiamento da mesma obra. É, politicamente, desonesto. Não se pode querer obra, usufruir dela, mas depois não querer que exista a respetiva dívida nas contas.

O “excessivo” endividamento da Câmara Municipal da Praia da Vitória, é uma não questão. Durante estes últimos 4 anos, serviu apenas como arma de arremesso político numa tentativa de virar os praienses uns contra os outros. Este mandado que agora termina, fica marcado por uma gestão de expetativas baseada numa falsa ideia de dificuldades financeiras, apenas para canalizar toda a disponibilidade financeira para, agora, no fim, se poder iludir de que se “endireitou” contas e deixar na memória dos eleitores, em véspera de eleições, que o mandato foi profícuo. E, já agora, diga-se, tudo isto sem um contraditório à altura da parte do maior partido da oposição.

Com o encerramento de Contas do Município da Praia da Vitória referente ao ano de 2024, ouviu-se, da parte de algumas pessoas, uma narrativa de que o Concelho iniciaria agora um novo ciclo baseado no “agora é que vai ser”. Segundo os mesmos, só a partir de agora é que será possível definir novos planos de investimento, realizar obras e retomar um período de crescimento para a Praia da Vitória, depois de resolvido um suposto “problema”. Um pensamento reduzido à mediocridade de quem procura apenas iludir os Praienses e esconder o que não se fez durante um mandato autárquico. É preciso ter cuidado e desconfiar de quem nos cria um problema só para depois nos vender a solução.

Fruto de um volume enorme de investimento, o Município viu-se obrigado a recorrer a endividamento que foi pesando no seu orçamento (as prestações bancárias). Naturalmente que o condicionalismo orçamental existe, e já existia desde meados da década passada. Mas não é (nunca foi) por si só um impedimento de que se encontre soluções para continuar a desenvolver novas políticas adaptadas às necessidades das pessoas, procurando perspetivas para a realização de investimentos necessários e fundamentais para o desenvolvimento do Concelho.

Infelizmente, a definição de políticas concretas em áreas de desenvolvimento socio económico para um Concelho não dependem de uma redução da dívida a fornecedores (comparando apenas o dia 31/12/2024 com o dia 31/12/2021). É preciso visão, mobilização e capacidade de execução. A falta de ação dos últimos 4 anos deveu-se a uma escolha política e consciente e não à situação financeira do Município. Ao longo dos últimos 3 anos, o Município recebeu mais 3,8 milhões € de transferências do Orçamento de Estado, relativamente a 2021. Havendo um plano concreto de investimentos baseado na perspetiva de crescimento económico para o Concelho e, considerando as percentagens de financiamento dos Fundos Comunitários aos Municípios (85%), desse montante bastaria apenas 1,5 milhões € para o executivo investir cerca de 10 milhões € em projetos importantes para a Praia – algo para o qual os Deputados Independentes “Esta é a Nossa Praia” da Assembleia Municipal chamaram a atenção em devido tempo. Uma oportunidade que foi desperdiçada.

Nestes 4 anos o Município teve à disposição verbas suficientes para realizar investimentos no Concelho, cumprir o pagamento de dívida, realizar um conjunto de projetos, assegurar a permanência dos colaboradores despedidos e garantir apoios a instituições. Como agora se percebe, a situação financeira foi apenas utilizada como estratégia político-partidária para ocultar a falta de capacidade de execução e ao mesmo tempo utilizar o ano de 2025 como o de “retoma” tentando passar a ideia eleitoralista de uma “recuperação financeira” que de facto não existiu nem se justificava.

A quem esteve no principal lugar da oposição, exigir-se-ia melhor conhecimento do passado. Aliás, exigir-se-ia uma demonstração sentida e verdadeira de orgulho, de dever cumprido, mas também um discurso de desconstrução da negligência política baseada na “situação financeira”. E agora, para o futuro, o foco principal está na mudança das caras, quando deveria estar na apresentação de um verdadeiro projeto alternativo!

Depois do dia 12 de outubro, iniciar-se-á mais um novo ciclo autárquico para os próximos 4 anos. Seja de quem for a responsabilidade da gestão dos destinos do Município, não se livrará da necessidade de recorrer a endividamento bancário para a realização de investimentos. Quanto mais não seja para a parte não co-financiada dos investimentos com recurso a fundos comunitários. Caso contrário, não fará nada e estaremos mais 4 anos ao abandono.

A Praia vive um momento absolutamente determinante. É necessário olhar para o futuro sem desculpas, sem rodeios, com menos palavras e mais ação. Independentemente das pessoas, a Praia não se pode contentar com pouco. A Praia precisa quem pense somente nela, sem aproveitamento político para outros voos. Exige-se visão, um verdadeiro e ambicioso projeto adaptado às nossas necessidades, às nossas gentes. Haja coragem política, sem medo de errar. Que se enfrente obstáculos e constrangimentos muitas vezes impostos pela própria amarra do partido que se representa.

Os praienses precisam sentir uma liderança forte, convicta, próxima e com humanismo. A Praia precisa de união e de mobilização em torno de algo em que genuinamente se acredite, independentemente das “convicções” partidárias. Algo que ainda não se vislumbrou nas candidaturas apresentadas. Acima de tudo, viva à Praia!

Tiago Ormonde

NE: Artigos originalmente publicados no DI nas edições do dia 10, 11, 12 e 13 de setembro de 2025.