Entrevista ao candidato do Bloco de Esquerda, Ricardo Toste, à presidência da Câmara Municipal da Praia da Vitória, nas eleições autárquicas do próximo dia 12 de outubro.

Nesta entrevista ao Praia Expresso, Ricardo Toste, candidato do Bloco de Esquerda (BE) à presidência da Câmara Municipal da Praia da Vitória, faz um diagnóstico severo da atual situação do concelho, que considera estar “estagnado e numa situação financeira difícil”. O candidato aponta a gestão socialista do passado e a atual governação da coligação PSD/CDS como responsáveis por políticas que ou descontrolaram as contas ou impuseram austeridade sem resultados visíveis. Defende maior transparência na contratação pública, descentralização de competências para as freguesias e uma política de habitação pública que permita atrair famílias e revitalizar a cidade.
O candidato destaca ainda o papel do Bloco de Esquerda em soluções concretas para problemas locais, como a integração dos trabalhadores da Praia Cultural e a requalificação dos bairros americanos, propostas que considera fundamentais para garantir emprego e habitação acessível. No seu programa, inclui medidas como a penalização de empresas que recorrem à precariedade, o reforço dos direitos laborais na empresa municipal Praia Ambiente e a valorização de todos os trabalhadores, defendendo igualdade de tratamento e diálogo com os sindicatos.
Por fim, Ricardo Toste sublinha a necessidade de um modelo de governação participado, inclusivo e transparente, que envolva os cidadãos nas decisões e combata desigualdades sociais. Afirma que a Praia da Vitória tem enorme potencial estratégico, com porto e aeroporto de excelência, mas critica as limitações impostas pela presença militar norte-americana. Para o candidato, a autarquia deve assumir um papel ativo na defesa do concelho junto do Governo Regional e da República, garantindo que os interesses dos praienses estejam sempre em primeiro lugar.
RICARDO TOSTE
Idade: 54 anos
Profissão: Técnico de Manutenção
Naturalidade: Angra do Heroísmo
Diz que a Praia da Vitória está “estagnada e numa situação financeira difícil”. Quais seriam as primeiras medidas concretas que tomaria para inverter este cenário se fosse eleito presidente da Câmara?
Em primeiro lugar é importante relembrar que foi o Partido Socialista que levou a Câmara Municipal a ficar numa situação financeira muito difícil e não podemos voltar a este modelo de governação autárquica, com uma gestão que põe em causa o futuro do município. Mas isso já era evidente antes das últimas eleições. Apesar disso, a atual presidente da autarquia, enquanto candidata em 2021, prometeu aquilo que sabia que não ia cumprir.
Depois de eleita, a primeira coisa que fez foi arrumar todas as promessas eleitorais na gaveta, propor um aumento de taxas municipais e impostos e ameaçar dezenas de trabalhadores de despedimento. Uma atitude absolutamente insensível em relação às dificuldades das famílias e das empresas.
Quanto à questão da estagnação da Praia da Vitória, acho que todos os Praienses sentem isso. O que é que mudou na Praia da Vitória nos últimos 4 anos com a presidência de Vânia Ferreira? Nada. A cidade está igual. Está deserta. E o papel da Câmara Municipal é pensar a cidade e o concelho para perceber o que é que é preciso mudar e tomar decisões que promovam e incentivem esta mudança.
Quanto às medidas a tomar, em relação à questão financeira, há um aspeto que é flagrante e que tem de mudar, por uma questão de transparência e de boa gestão dos recursos públicos. Refiro-me aos contratos por ajuste direto que são feitos pela autarquia. É impressionante a quantidade de contratos para a aquisição de materiais e de serviços que são feitos por ajuste direto. Uma pesquisa no Portal Base mostra que quase todos os contratos são feitos por ajuste direto e que é raro haver concursos públicos. Aumentar o recurso aos contratos por concurso público vai promover uma poupança no valor dos contratos – porque vai estimular a concorrência – e dá garantias de maior transparência. Não podemos continuar a aceitar negócios por “amiguismo” com o dinheiro público.
“Não podemos continuar a aceitar negócios por amiguismo com o dinheiro público.”
Quanto à dinamização do território, quer na cidade, quer nas freguesias, uma das medidas que propomos é o aumento do financiamento para cada freguesia. Acreditamos que esta descentralização, com as decisões a serem tomadas com maior proximidade, vai permitir dar resposta àquilo que as pessoas sentem que é mais necessário na sua localidade.
Quanto à revitalização da cidade, o desafio mais importante é promover a habitação. Uma cidade sem pessoas é uma cidade sem vida. Por isso, é preciso criar melhores condições para que mais famílias escolham viver na Praia da Vitória. E a autarquia pode contribuir através de construção e reabilitação de habitação pública, com a melhoria dos transportes municipais, com a garantia de boas condições nas escolas do 1º ciclo e uma boa resposta de Atividades de Tempos Livres.
“Uma cidade sem pessoas é uma cidade sem vida.”
Estes são exemplos de medidas que podem contribuir para dar uma boa qualidade de vida a quem escolha viver no concelho. Com mais pessoas a viver na Praia da Vitória a atividade económica vai naturalmente crescer. É preciso pensar o concelho de forma global, com as pessoas em primeiro lugar.
Tem destacado o papel do Bloco de Esquerda em soluções como a integração dos trabalhadores da Praia Cultural e a requalificação dos bairros americanos. Que outras propostas estruturais tem para o concelho em áreas como emprego e habitação?
É verdade. Acho que os Praienses têm de saber isso. Mesmo sem estar representado nos órgãos autárquicos, o Bloco teve um papel muito importante para encontrar uma solução para os problemas da empresa municipal Praia Cultural, que foi uma das situações mais delicadas com que o atual executivo se deparou.
A solução do PSD e do CDS era desumana: queriam pura e simplesmente despedir 37 trabalhadores. Só com muito empenho do Bloco, aqui na Terceira e no parlamento dos Açores, foi possível chegar à solução que salvou os postos de trabalho, através da intervenção do Governo Regional, que ocorreu no seguimento de uma proposta do Bloco de Esquerda. Mas não foi só este o importante contributo do Bloco para defender os Praienses.
Quando a falta de habitação e o elevado custo do arrendamento já se fazia sentir, foi o Bloco que levou ao parlamento uma proposta para requalificar as casas dos bairros dos americanos para as disponibilizar às famílias da Praia. A proposta foi aprovada em 2019, mas só agora é que o governo regional vai avançar com as obras.
Estes dois exemplos mostram que o Bloco tem soluções e pode realmente fazer a diferença. Queremos estar nos órgãos da autarquia da Praia da Vitória para poder fazer ainda mais.
“O Bloco tem soluções e pode realmente fazer a diferença.”
Na habitação, é importante que a autarquia faça tudo o que estiver ao seu alcance para reduzir o custo para as famílias. Se conseguirmos baixar o custo da habitação, teremos mais gente no concelho, e mais gente significa melhores condições para todos e mais atividade económica.
É possível baixar o custo da habitação aumentando a oferta, por isso, a autarquia deve não só construir habitação pública que será disponibilizada a preços acessíveis, mas também fazer o levantamento de todos os imóveis que possam ser imediatamente requalificados e disponibilizados no mercado.
“Se conseguirmos baixar o custo da habitação, teremos mais gente no concelho, e mais gente significa melhores condições para todos e mais atividade económica.”
Quanto ao emprego, além de respeitar os compromissos com os trabalhadores da autarquia e das empresas municipais – coisa que o atual executivo não faz –, queremos passar a incluir cláusulas anti-precariedade em todos os cadernos de encargos dos concursos públicos para aquisição de serviços. Ou seja, na atribuição de pontuação nos concursos públicos, as empresas que recorram a trabalhadores precários serão penalizadas, beneficiando, assim, as empresas que respeitam os trabalhadores e que lhes garantem mais estabilidade. É uma forma de proteger os trabalhadores e incentivar as empresas a garantir mais estabilidade laboral.
Critica a atual coligação PSD/CDS por não ter trazido a mudança necessária. Que modelo de governação alternativo propõe para a autarquia?
Em 2021, mudou o partido que lidera a autarquia, mas esta mudança não se traduziu em nada de positivo para quem vive e trabalha na Praia da Vitória. Se com o PS, houve um total descontrolo nas contas, com o PSD e CDS houve austeridade em toda a linha e desrespeito pelos trabalhadores.
A falta de transparência e a proteção dos interesses instalados são os pontos em comum que unem a gestão autárquica do PS e do PSD/CDS na Praia da Vitória. O Bloco quer implementar um modelo de gestão autárquica que seja participado, inclusivo e transparente. Queremos incentivar a participação dos cidadãos nas assembleias municipais, onde podem e devem levar as suas preocupações e as suas propostas, e pedir explicações diretamente ao executivo.
“O Bloco quer implementar um modelo de gestão autárquica que seja participado, inclusivo e transparente.”
Ao nível da gestão financeira, como já disse, defendemos contratos através de concursos público sempre que for possível, para que todas as empresas possam participar em igualdade de circunstâncias.
As decisões políticas devem ser caracterizadas pela imparcialidade e igualdade de tratamento. Além disso, temos muitas propostas para que a Praia da Vitória seja mais inclusiva. Como adaptar o centro histórico com rampas, passadeiras acessíveis e mobiliário urbano inclusivo, garantindo que ninguém fica para trás, criar um programa municipal de apoio alimentar que garanta refeições dignas e regulares a quem mais precisa, combatendo a pobreza e promovendo a solidariedade, criar um serviço municipal gratuito de transporte para pessoas idosas em deslocações para serviços de saúde, com entrega de medicamentos ao domicílio para quem tem mobilidade reduzida ou dificuldades de acesso, reforçar os mecanismos de resposta urgente para vítimas de violência doméstica, com articulação entre serviços sociais, saúde e segurança, e promover a celebração das principais datas dos direitos humanos e da igualdade com eventos públicos e envolvimento das escolas e associações locais.
“A Praia da Vitória tem de ter os braços abertos para todas as pessoas que aqui queiram viver ou trabalhar.”
A Praia da Vitória tem de ter os braços abertos para todas as pessoas que aqui queiram viver ou trabalhar e temos de fazer tudo para garantir o bem-estar de todos. Este é o papel do poder local.
Um dos pontos fortes da sua candidatura é a valorização dos trabalhadores municipais. Que medidas defende para reforçar os direitos laborais e melhorar as condições de trabalho na empresa municipal Praia Ambiente?
A proteção de todos os trabalhadores é um ponto forte do Bloco de Esquerda. Não só dos trabalhadores de âmbito municipal, mas de todos os trabalhadores. Como referi, temos uma proposta para proteger os trabalhadores das empresas que são contratadas pela autarquia, que funciona como medida de combate à precariedade.
No que diz respeito à questão da Praia Ambiente, o que está em causa é a defesa da dignidade e da igualdade de tratamento de todos os trabalhadores. O executivo do PSD e do CDS criou desigualdades entre trabalhadores, o que não é aceitável.
“É importante aumentar os salários e melhorar as carreiras dos trabalhadores da Praia Ambiente.”
É importante aumentar os salários e melhorar as carreiras dos trabalhadores da Praia Ambiente e este trabalho tem de ser feito em conjunto com os sindicatos. As reivindicações que os trabalhadores estão a fazer nesta matéria parecem-nos justas e exequíveis por parte da autarquia.
“As reivindicações dos trabalhadores parecem-nos justas e exequíveis por parte da autarquia.”
Que diferença considera que a presença do BE nos órgãos autárquicos pode trazer para a vida do concelho e dos praienses?
Já mostramos que somos capazes de ter propostas que apontam soluções para melhorar a vida das pessoas, como são os casos concretos da requalificação das casas dos bairros americanos e a integração na administração pública regional dos trabalhadores da Praia Cultural que evitou o despedimento de dezenas de pessoas. Ter representantes do Bloco de Esquerda no executivo municipal e na Assembleia Municipal é garantir mais força para encontrar as soluções que a Praia da Vitória precisa.
“Ter representantes do Bloco na autarquia é garantir mais força para encontrar as soluções que a Praia da Vitória precisa.”
Temos uma estrutura local e regional empenhada e que trabalha as propostas de forma articulada. Aliás, nas assembleias municipais em que o Bloco está, ou esteve, representado, a capacidade de trabalho, de diálogo e de apresentação de propostas é sempre reconhecida. É esta dinâmica que queremos também mostrar nos órgãos autárquicos da Praia da Vitória.
“A nossa capacidade de trabalho, diálogo e propostas já foi reconhecida noutras assembleias municipais.”
Por fim, agradecendo a disponibilidade para esta entrevista, que mensagem gostaria de deixar aos leitores do Praia Expresso?
O Bloco de Esquerda apresenta-se a estas eleições autárquicas com pessoas empenhadas e um conjunto de propostas que merece ser conhecido. Um dos pontos centrais do nosso programa eleitoral é criar as condições para que o enorme potencial da Praia da Vitória seja finalmente concretizado.
“A Praia da Vitória tem um enorme potencial que precisa finalmente de ser concretizado.”
A Praia da Vitória tem um porto e um aeroporto com condições excecionais para alavancar a economia, não só do concelho, mas de toda a ilha Terceira. Mas este potencial está permanentemente limitado pelas barreiras impostas pela sua utilização para fins militares. Ninguém vai investir a sério numa infraestrutura que, a qualquer momento, pode ter de parar para satisfazer os interesses militares dos EUA.
“A autarquia tem de se fazer ouvir junto do Governo Regional e da República para defender os interesses do concelho.”
Ao problema da contaminação provocada pela presença militar dos EUA ao longo de décadas, junta-se também esta dificuldade de aproveitar as excelentes condições que a Praia da Vitória tem para potenciar o seu desenvolvimento económico e social. Por isso, consideramos que a autarquia tem que fazer-se ouvir junto do Governo dos Açores e junto do Governo da República, para defender os interesses do concelho nesta matéria.
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