JOHN BRANCO: “AS FESTAS NÃO SÃO SÓ PARA SE VER, SÃO PARA SE VIVER”

Entrevista ao coordenador geral das Festas da Praia 2025, John Branco, sobre as festividades concelhias que decorrem de 1 a 11 de agosto, subordinadas ao tema “Teu chão de lava, teu saber a mar”.

Nesta entrevista do Praia Expresso, o coordenador geral das Festas da Praia 2025, John Branco, partilha a motivação que o levou a aceitar o desafio de liderar este emblemático evento, destacando o seu compromisso com a cultura local e o desejo de contribuir ativamente para a valorização das tradições da Praia da Vitória. O tema deste ano — “Teu chão de lava, teu saber a mar” — simboliza a fusão entre as origens vulcânicas da ilha e a força inspiradora do mar, remetendo tanto à identidade geográfica como à herança cultural da comunidade.

Ao longo da conversa, John Branco revela os bastidores da organização: o cuidado na construção da identidade visual, a forte componente simbólica dos cortejos — do vibrante desfile de abertura à reedição do cortejo etnográfico — e a programação musical diversificada, que percorre desde o folclore tradicional até propostas mais contemporâneas.

Apesar dos inúmeros desafios logísticos e burocráticos inerentes à organização de um evento público de grande escala, o coordenador enaltece a dedicação da equipa envolvida e a alegria de ver as festas a ganhar forma. Termina com um convite emotivo a todos, locais e visitantes, para viverem intensamente a magia das Festas da Praia, entre os dias 1 e 11 de agosto.

Desde pequeno fui educado a valorizar e participar nas tradições da nossa terra. Na nossa freguesia, é comum integrar comissões, e eu próprio já tive essa experiência. Acredito que é fundamental envolvermo-nos ativamente na vida cívica, recreativa e cultural da nossa comunidade. Por isso, quando me foi lançado este desafio, senti que devia dar o meu contributo para as festas do concelho, pelas quais tenho um grande apreço.

Apesar de ter atualmente duas crianças de tenra idade, aceitei este compromisso com o intuito de, em conjunto com todos os que me acompanham, dar o meu melhor para enriquecer a vida cultural e artística do nosso concelho e da nossa ilha.

A escolha do tema foi feita com ponderação. Desde o início, sabia que não queria um tema com enfoque histórico. Ao olhar para a festa e para a cidade da Praia da Vitória, salta à vista a forte presença da natureza. O mar, naturalmente, é o grande protagonista deste evento, e foi importante para mim associar esse elemento à celebração.

O título “O teu chão de lava” remete às nossas origens. O solo que pisamos conta a nossa história — somos uma ilha de origem vulcânica, moldada pela força do vulcão e pelas águas do mar. Foi dessa união que nasceu a nossa ilha, a nossa Praia da Vitória. Assim, este chão representa os nossos antepassados, a nossa identidade.

Já “O teu saber a mar” tem uma ligação direta com a praia e com tudo o que ela simboliza. A praia, banhada pelo mar salgado, carrega essa mistura de energia intensa — como a do vulcão — com a serenidade que o mar transmite. É essa dualidade que eu quis trazer para a festa: muita energia, muita alegria, mas também momentos de tranquilidade. “Saber a mar” é também o sabor do mar, que se manifesta na nossa gastronomia e noutras expressões culturais. Esta fusão entre o mar e o vulcão é o que deu origem à beleza única da nossa ilha.

Há ainda uma camada de interpretação na expressão “saber a mar”. Se lermos de forma contínua, pode transformar-se em “saber amar”. E a verdade é que a Praia da Vitória sabe amar, sabe acolher e deseja receber bem todos os que participam nas suas festas, de 1 a 11 de agosto. Por isso, considero que este é um tema abrangente e ao mesmo tempo subjetivo, deixando espaço para que cada pessoa o interprete conforme a forma como vive as Festas da Praia.

As cores vibrantes do cartaz transmitem uma forte sensação de energia e também uma certa abstração. Quando se pensa em praia, é natural imaginar a ondulação do mar, aquele branco da espuma a rebentar na areia — e esses elementos estão, de facto, representados. Tal como a lava do vulcão e o próprio mar, ambos presentes de forma simbólica.

O meu objetivo era criar um cartaz que se destacasse, que fosse marcante, repleto de cor e vitalidade. E isso foi plenamente alcançado. A pessoa responsável pela criação está de parabéns, pois conseguiu traduzir com precisão aquilo que eu tinha idealizado.

“Chão de lava” representa o solo que pisamos todos os dias e está profundamente ligado às nossas raízes, como mencionei anteriormente. Eu próprio fui criado dentro da nossa cultura e tradições — participo num grupo de Reis, canto ao desafio e já estive envolvido no Carnaval — por isso, a dimensão cultural tem um peso muito grande na minha vida.

A expressão “teu chão de lava” resgata exatamente esse vínculo. Embora a mensagem não seja direta nem explícita, ela conduz, de forma subjetiva, a essa ligação com a nossa identidade e herança cultural.

O cortejo contará com quatro carros alegóricos e envolverá mais de 300 participantes, dos quais cerca de 200 serão figurantes. Promete ser um espetáculo vibrante, repleto de cor, música, coreografias e muita energia.

A melhor forma de o viver é, sem dúvida, estar presente na Praia da Vitória. Este ano, o cortejo apresenta-se com uma proposta ousada, marcada pela diversidade cultural e pela criatividade. Se tudo correr como previsto — e com a ajuda de São Pedro —, será certamente um dos cortejos mais memoráveis realizados na cidade.

A minha esposa foi a responsável pela coordenação do cortejo infantil, que está pensado como uma verdadeira viagem para todas as crianças — inclusive para aquelas que ainda vivem dentro dos adultos. O tema é “Era uma vez… reescrevendo a história!”. Como pai de duas crianças de três e quatro anos, conheço bem os desenhos animados que os mais pequenos adoram, e posso garantir que os carros estão maravilhosos, graças ao talento dos artistas envolvidos. O cortejo será composto por três carros alegóricos e terminará com um momento especial que trará uma mensagem muito poderosa.

Não quero revelar demasiado por enquanto, mas posso dizer que será uma homenagem às mulheres que são umas guerreiras, uma força da natureza, mas prefiro deixar que a surpresa fale por si no momento certo.

Realizar um cortejo etnográfico é fundamental, pois há tradições que, se não forem vividas e mostradas na prática — como através destes desfiles — acabarão por desaparecer. Um bom exemplo disso é a dificuldade que já sentimos em encontrar juntas de bois. Naturalmente, se não houver desfiles, ninguém terá motivos para manter essas tradições vivas. Além disso, é essencial transmitir às novas gerações como se vivia antigamente, e não há melhor forma de o fazer do que com uma apresentação visual e sensorial, que se possa ver e ouvir.

O cortejo deste ano tem como tema “Sonoridades da Memória”, estando fortemente ligado aos sons do passado.

Assim que assumi a coordenação, comecei de imediato a trabalhar no projeto, juntando uma equipa fantástica — o César Toste, o Leandro Ávila e a Véria Sousa — e fomos para o terreno, falar com as pessoas, recolher elementos. Ontem [27.07.2025] mesmo estive com o César a apanhar milho para um dos carros.

Claro que surgem dificuldades. Um carro com trigo, por exemplo, pode parecer simples, mas o mais difícil é encontrar o trigo. Tive a sorte de, numa conversa com um amigo, descobrir que ele tinha algum e, generosamente, me ofereceu.

Cada vez é mais difícil organizar um cortejo etnográfico, mas também cada vez mais é necessário. E apesar dos desafios, o nosso passado vai voltar a desfilar pelas ruas da Praia.

Tudo está a decorrer dentro da normalidade, embora, com a aproximação do evento, seja natural surgir alguma apreensão, pois ainda há vários detalhes a serem finalizados. No entanto, estamos a cumprir os prazos estabelecidos. É claro que surgem alguns desafios, especialmente na confeção dos trajes — atualmente já não há tantas costureiras disponíveis como antigamente, e o tempo para preparar tudo é limitado.

Ainda assim, acredito que todos os figurantes estarão devidamente trajados e os carros alegóricos prontos. Temos uma equipa dedicada e competente, que se empenha ao máximo para que tudo corra da melhor forma.

A diversidade dos vários palcos é, na minha opinião, um dos aspetos mais importantes que enriquecem as Festas da Praia. A maioria do que propus — embora algumas coisas sejam impossíveis — estará presente neste ano. Teremos um palco dedicado às tradições, onde serão celebradas as nossas raízes culturais, como as cantorias, as danças de carnaval, o folclore e as filarmónicas. Mas também foram introduzidas novidades, como os Art’Fado, a 5.ª Maré e Vozes da Fonte e uma noite de fados, algo que não acontecia há algum tempo e que volta este ano às Festas da Praia.

Outro palco que considero essencial, quase o “pulmão” da festa, é o da Marina. Situado junto ao mar, este espaço foi pensado para trazer uma energia diferente, incluindo grupos convidados de fora e também para que os nossos conjuntos locais possam apresentar algo novo.

Temos ainda o palco da Zona Verde, dedicado a músicas mais animadas e populares. Neste espaço haverá também karaoke, para que as pessoas possam participar ativamente — afinal, a festa não é só para assistir, é para ser vivida.

Em suma, estes três palcos oferecem uma programação musical diversificada, que abrange vários estilos e gostos, garantindo entretenimento para todos, dos recém-nascidos aos centenários.

Não quero destacar um concerto em particular, pois todos eles são momentos importantes e atraentes das nossas festividades. No entanto, devido à sua singularidade e simbolismo, gostaria de mencionar, no palco Marina, o regresso dos Coxe, depois de mais de duas décadas de paragem, e o concerto Praia Mia, que reúne artistas locais numa espécie de tributo aos ABBA.

Ainda no palco Marina, referia o concerto Mariachi, pela sua originalidade e novidade para o nosso público. Quanto ao simbolismo, vale a pena referir o desfile da marcha oficial das Festas da Praia de 2000, que, 25 anos depois, voltará a percorrer a rua de Jesus.

As maiores dificuldades estão em adaptar-se à dinâmica e às exigências envolvidas. As festas, por estarem ligadas à Câmara Municipal, seguem uma lógica completamente diferente das festas de freguesia, onde temos total autonomia na contratação. Neste contexto, há um conjunto de regras que somos obrigados a cumprir. Sendo um organismo público, existe todo um processo burocrático e administrativo que precisa ser rigorosamente seguido, algo que não acontece nas comissões de festas das freguesias.

Ainda assim, apesar dos desafios e exigências, temos conseguido ultrapassá-los, e é extremamente gratificante ver as festas a ganharem forma.

Foi uma experiência extremamente positiva — uma viagem lindíssima. Embora tenha assumido a liderança, tive sempre muita gente ao meu lado, a apoiar e a colaborar. Conheci artistas extraordinários; os criadores dos carros são verdadeiros talentos da Praia da Vitória. Toda a parte de produção foi essencial, assim como a articulação com a Câmara Municipal, para garantir que tudo decorresse da melhor forma.

Agora que chegamos a esta fase, tudo está planeado, sente-se a ansiedade no ar, e é maravilhoso ver a Praia da Vitória a transformar-se, a cada dia, com os preparativos das festas. Tudo isto é profundamente gratificante. Não me arrependo nem por um segundo de ter aceitado este desafio — e digo mais: se há um ano eu soubesse o que sei hoje, teria demorado ainda menos tempo a aceitar.

Venham, participem, vivam as festas — elas foram pensadas e preparadas para todos vocês. Estamos aqui de braços abertos para vos receber, porque festas sem pessoas simplesmente não têm graça.

O meu desejo é encher a Praia de um verdadeiro “mar” de gente, que se estenda além da areia e invada as ruas da cidade da Praia da Vitória. As festas não são apenas para assistir, são para sentir, para viver intensamente. Viva as Festas da Praia! De 1 a 11 de agosto, venham à Praia da Vitória ser felizes.

© PE