O PRATO QUE SE OFERECE SEM GLÓRIA

Há dias que não são apenas dias — são alma, são sangue da terra. O domingo de Pentecostes, para nós, açorianos, é desses. E não importa se vimos do Corvo ou de Santa Maria, se nos chamamos de esquerda ou de direita, se rezamos ajoelhados ou apenas em silêncio: há algo que nos une mais fundo que a geografia ou a crença — um respeito quase instintivo pela divindade. Mesmo que, às vezes, ela venha disfarçada de marketing polido, empacotada com fitas por multinacionais que sabem vender até fé.

Mas aqui, nestas ilhas de pedra negra e mar em fúria mansa, ainda há domingos em que o espírito vence o ruído. No Bodo, brindamos à partilha. Uns fazem-no por genuína solidariedade, outros, num gesto cada vez mais comum, pela pura fama da caridade — aquela que se fotografa e se partilha nas redes sociais, mas que oferece peixe, em vez, de ensinar a pescar.

A verdade é que, em cada canto dos nossos nove torrões — seja numa humilde freguesia ou numa altiva vila — a fraternidade sempre encontrou lugar. Basta puxar à memória: quem não se lembra de correr para casa com uma brindeira maltratada, a cabeça esfarelada entre dentes ansiosos? Em tempos mais duros, ela sabia a festa e a sustento. E se é certo que hoje temos muito mais, também é certo que o essencial pode perder-se numa esquina mal vigiada do progresso.

Voltei, depois de anos, ao Império da Rua do Rego — um dos mais discretos do centro histórico da Praia da Vitória. E saí de lá com o coração cheio. Modesta, sim, esta irmandade. Mas também generosa, de mãos abertas, mesa farta e alma em festa. Ali, entre sorrisos discretos e travessas partilhadas, cumpria-se o mais puro dos deveres: o de dar a quem precisa, sem perguntar porquê.

Neste domingo de Pentecostes — véspera do dia maior da nossa autonomia — enquanto outros optam por touros em correrias e adrenalina, há quem, no império, prefira saciar a fome a quem passa. A esses, deixo aqui a minha singela homenagem. Porque, em tempos de barulho e pressa, a verdadeira grandeza ainda se encontra na dádiva sem nome, no prato que se oferece sem glória.

Francisco Soares
Diretor do Praia Expresso