CASA MUSEU VITORINO NEMÉSIO REABRE COM EXPOSIÇÃO E PROGRAMAÇÃO DEDICADA À AÇORIANIDADE

A Casa Museu Vitorino Nemésio reabriu quinta-feira ao público após uma requalificação que incluiu melhorias estruturais, uma nova exposição permanente e a introdução de equipamentos multimédia. A iniciativa visa fortalecer o papel do espaço como centro de valorização da vida e obra do escritor praiense.

A nova exposição destaca o conceito de Açorianidade, explorando os textos de Nemésio que moldaram a identidade cultural da região. Além disso, o jardim da Casa das Tias, onde está instalada a Biblioteca Municipal Silvestre Ribeiro, recebeu painéis explicativos sobre o tema. A requalificação também criou um espaço dedicado a atividades infantojuvenis.

A Requalificação que contou com o apoio da GRATER ascendeu a 75 mil euros, sendo que 75 por cento deste valor foi assumido com receitas próprias da Câmara Municipal. O apoio da GRATER decorreu no âmbito de uma candidatura da Autarquia. Os trabalhos incidiram na requalificação de várias estruturas do imóvel, na atualização da exposição e na introdução de alguns equipamentos multimédia que ajudam ao conhecimento da vida e obra do escritor.

Além disso, a candidatura apoiou a edição do livro Açorianidade, os textos de Nemésio, que compila os escritos sobre a Açorianidade; a instalação, no jardim da Casa das Tias, de painéis explicativos deste conceito; e a criação de um espaço, no jardim da Casa Vitorino Nemésio, para atividades infantojuvenis sobre a vida e obra do escritor praiense.

A reabertura deste espaço marca o início das comemorações do 75º aniversário da publicação de Festa Redonda, obra icônica de Vitorino Nemésio. Entre as atividades programadas para 2025 estão exposições itinerantes em escolas, eventos durante as Festas da Praia, palestras, e um destaque especial no festival literário Outono Vivo.

As visitas à Casa Museu Vitorino Nemésio poderão realizar-se de segunda a sexta-feira, das 08h30 às 12h00 e das 13h00 às 16h30.

A cerimónia de inauguração contou com a intervenção da Diretora Regional da Cultura, Sandra Garcia, em representação do Governo dos Açores; com uma palestra proferida por Jorge Forjaz sobre a vida de Nemésio; com trechos da Festa Redonda ditos por Judite Parreira e com um momento musical pelo Duo Cordibus. Entre os ilustres convidados estavam três netos de Vitorino Nemésio.

VITORINO NEMÉSIO: O PAI DA AÇORIANIDADE

Nascido em 19 de dezembro de 1901, na hoje cidade, então vila da Praia da Vitória, Vitorino Nemésio Mendes Pinheiro da Silva tornou-se uma das figuras mais ilustres da cultura portuguesa do século XX. A sua vida e obra, marcadas por um profundo amor pelas suas raízes açorianas e pela busca incessante de conhecimento, fazem dele um símbolo de universalidade a partir da singularidade da ilha que o viu nascer, sendo o criador do termo açorianidade que tão bem caracteriza este povo de terras de lava.

RAÍZES PRAIENSES E INFLUÊNCIA AÇORIANA

Vitorino Nemésio cresceu imerso na atmosfera única da Praia da Vitória, a então vila que moldou profundamente o seu imaginário literário. A proximidade do mar, os ventos atlânticos e as paisagens vulcânicas dos Açores alimentaram a sua visão poética e tornaram-se elementos essenciais na sua obra. Para Nemésio, a insularidade não era apenas uma condição geográfica, mas uma dimensão existencial que explorou magistralmente ao longo da sua vida.

As suas raízes praienses e açorianas transparecem de forma vívida em obras como “Mau Tempo no Canal”, publicado em 1944, considerado o seu magnum opus. Este romance retrata com uma beleza única a vida, as tradições e as complexas relações sociais das ilhas do arquipélago, alcançando um equilíbrio entre o local e o universal que apenas um açoriano como Nemésio poderia atingir.

FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA ACADÉMICA

A busca pelo conhecimento levou Nemésio a sair da sua terra natal ainda jovem, para prosseguir os estudos no continente. Formou-se em Filologia Românica pela Universidade de Lisboa, onde viria a destacar-se como professor universitário e intelectual de renome. Posteriormente, lecionou na Universidade de Coimbra, onde se consolidou como uma referência na academia portuguesa.

Nemésio não era apenas um professor; era um verdadeiro mestre, cujas aulas inspiraram gerações de estudantes com a sua erudição e paixão pela literatura. A sua abordagem ao ensino, marcada pela vivacidade e profundidade, refletia o mesmo entusiasmo e rigor que caracterizavam a sua escrita.

Entre as suas realizações académicas, destaca-se o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade de Montpellier, um reconhecimento do impacto do seu trabalho na cultura e no pensamento europeu. Além disso, foi membro de várias academias científicas e culturais, incluindo a Academia das Ciências de Lisboa.

LITERATURA E POESIA: A ESSÊNCIA DE NEMÉSIO

Se a academia foi um dos pilares da sua vida, a literatura foi a sua verdadeira alma. Autor prolífico, Vitorino Nemésio deixou-nos uma vasta e variada obra, que inclui poesia, romances, ensaios e crónicas.

A sua poesia, reunida em coletâneas como “Canto Matinal” (1916), “O Bicho Harmonioso” (1938) e “O Verbo e a Morte” (1959), revela um espírito inquieto e uma sensibilidade profunda. Através de versos que oscilam entre o íntimo e o metafísico, Nemésio explorou temas como o tempo, a morte, a fé e o lugar do ser humano no universo.

O romance “Mau Tempo no Canal” permanece como a obra-prima que o consagrou como um dos maiores escritores de língua portuguesa. Nesta narrativa intricada e poética, Nemésio capturou o espírito dos Açores, explorando as dinâmicas entre tradição e modernidade, amor e dever, insularidade e universalidade. A riqueza das descrições e a profundidade psicológica das personagens fazem deste livro uma obra intemporal, amplamente elogiada por críticos e leitores.

Publicado em 1950, “Festa Redonda” é uma das obras mais emblemáticas de Vitorino Nemésio. O livro celebra de forma peculiar toda a atmosfera em volta da cultura, da paisagem e do espírito comunitário e festivo dos Açores, particularmente da ilha Terceira, num ciclo de vida e de festa que se renova a cada ano, cada vez com maior brilho e exuberância.

Além disso, a sua faceta como cronista brilhou em obras como “O Corsário das Ilhas” e nas crónicas que publicou regularmente em jornais e revistas. A sua escrita, sempre marcada por uma visão lúcida e uma ironia fina, refletia o seu profundo compromisso com a verdade e a justiça social.

CULTURA E COMUNICAÇÃO: A VOZ DE UM INTELECTUAL PÚBLICO

Vitorino Nemésio não se limitou à literatura e à academia; foi também uma figura influente na cultura e na comunicação social. Como apresentador do programa “Se Bem Me Lembro”, na RTP, tornou-se uma presença familiar e acarinhada pelos portugueses. A sua capacidade de comunicar ideias complexas de forma acessível e cativante conquistou uma audiência vasta, que via em Nemésio não apenas um intelectual, mas também um amigo que sabia escutar o pulso do país.

A sua dedicação à cultura nacional foi reconhecida com várias distinções, incluindo o Prémio Nacional de Literatura e o título de Grã-Cruz da Ordem Militar de Sant’Iago da Espada, uma das mais altas condecorações atribuídas em Portugal.

LEGADO E ETERNO ORGULHO PRAIENSE

Para os praienses, Vitorino Nemésio é muito mais do que uma figura histórica; é um motivo de orgulho e uma inspiração perpétua. O seu nome está gravado na história da Praia da Vitória e dos Açores como um símbolo de excelência, autenticidade e universalidade.

A casa onde nasceu, transformada em casa-museu e agora requalificada, é um lugar de peregrinação para aqueles que desejam compreender melhor a origem deste gigante da cultura portuguesa. Na Praia da Vitória e na ilha Terceira, a memória de Nemésio é celebrada em escolas, ruas e eventos culturais que perpetuam a sua ligação à terra que o moldou.

Vitorino Nemésio faleceu em 20 de fevereiro de 1978, mas o seu legado permanece vivo. Através dos seus textos, das suas ideias, do seu exemplo e da palavra açorianidade , continua a inspirar novas gerações a valorizar a cultura, a buscar o conhecimento e a preservar a ligação às suas raízes.

Vitorino Nemésio é, e sempre será, um dos maiores filhos da Praia da Vitória, um açoriano de alma e um cidadão do mundo.

© GC-MPV | Foto: GC-MPV | Desenho: José Nuno da Câmara Pereira | PE